Manifesto de Fundação

bandeiraCompanheiros e companheiras,

Depois de pouco mais de um ano do chamado para a constituição de uma organização anarquista especifista em São Paulo, nos reunimos hoje para finalizar esta etapa da Pró-FASP. Há exatos 20 meses, alguns companheiros, motivados pelas experiências do anarquismo organizado no Brasil e identificando a necessidade de uma atuação organizada dos anarquistas nos movimentos populares, decidiram iniciar as discussões para formar uma organização específica anarquista. Estas discussões culminaram no I Encontro Pró-FASP, realizado em julho de 2008, e no II Encontro Pró-FASP, ocorrido em julho de 2009, que tiveram ampla participação, mostrando o interesse pela proposta.

Neste período, constituímos um núcleo de militantes e um grupo de apoio que se reuniram periodicamente e, em pouco tempo, se engajaram nos trabalhos práticos, aproveitando o que já vinha sendo realizado por militantes individualmente. Hoje, a organização divide-se, para o trabalho social, em duas frentes: uma camponesa e indígena, que realiza atividades com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e com o movimento indígena, e outra, comunitária, que realiza atividades com o Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável (MNCR). Internamente, temos realizado relações com individualidades e outras organizações, além de atividades de formação política. Após incansáveis horas de reuniões e realizações de atividades, nos sentimos preparados para dar mais este passo rumo à próxima etapa: a fundação de nossa organização.

Nossa organização coloca-se dentro de uma tradição que sempre foi majoritária no campo libertário que é a do “anarquismo social” ou do “anarquismo de massas”, responsável por impulsionar fenômenos de grande importância como o sindicalismo revolucionário. No entanto, ainda que sustentemos a necessidade do anarquismo desenvolver-se nos movimentos populares – o que alguns chamaram “vetores sociais do anarquismo” – defendemos que para isso é fundamental a organização específica anarquista, posição esta que nem sempre foi majoritária. Esta posição foi defendida, historicamente, desde o surgimento do anarquismo, por Bakunin (Aliança da Democracia Socialista), Malatesta, e mesmo Kropotkin em determinados momentos, passando pelos anarco-comunistas russos do Dielo Truda e pelos búlgaros da Federação dos Anarco-Comunistas Búlgaros (FAKB). Na América Latina há experiências importantes como a Junta do Partido Liberal Mexicano, a Federação Anarquista Uruguaia e a Resistência Libertária, da Argentina.

No Brasil essa tradição de massas do anarquismo social se faz presente há mais de 100 anos, e foi responsável pelas mobilizações sindicais que tiveram muita relevância no início do século XX. Foi ela que organizou a classe trabalhadora brasileira que ingressou na luta por conquistas como a jornada de oito horas de trabalho. Nos inspiram acontecimentos como a Greve de 1917, que contou com participação significativa dos anarquistas. No campo da organização específica anarquista, houve grupos que tentaram organizar a militância, mas sem grande sucesso, visto que naquele momento, o anarquismo no Brasil, da mesma forma como em outros lugares do mundo, estava hegemonizado pelas concepções sindicalistas, que não julgavam importante a constituição de organizações anarquistas para o trabalho nos sindicatos. São exemplos de organização deste tipo, o primeiro Partido Comunista Brasileiro (1919), a Aliança Anarquista do Rio de Janeiro e grupos de São Paulo que se constituíram em torno dos periódicos desta época, que sustentavam os níveis diferenciados de atuação – da organização anarquista e dos movimentos populares, o que outros chamam de “dualismo organizacional”.

O anarquismo esteve em evidência e foi fundamental na luta de classes do Brasil até a década de 1930 quando, por uma série de fatores externos e internos, perdeu espaço nos sindicatos e não conseguiu encontrar novos espaços de atuação em meio a outras lutas que se deram nas décadas posteriores. Esta conjuntura resultou no surgimento de centros culturais, ateneus libertários e grupos de anarquistas que, se por um lado significavam o afastamento dos anarquistas do campo da luta de classes, por outro tiveram a importância de manter acesa a chama do ideal anarquista e permitir que ele sobrevivesse até os fins da ditadura militar.

A abertura política dos anos 1980 foi importante para a reinauguração do Centro de Cultura Social de São Paulo (CCS-SP), um destes centros, fundado ainda em 1933. A rearticulação do CCS-SP e a mobilização que ele conseguiu para suas atividades teve significativa importância para o ressurgir do anarquismo em São Paulo, no momento pós-ditadura. As palestras e debates sobre diversos temas motivaram ampla participação e uma tentativa de atividade sindical desenvolveu-se, visando reavivar a Confederação Operária Brasileira. Aqui prestamos a devida homenagem ao CCS-SP, que foi fundamental, nos anos 1990 e início dos 2000, para a formação dos militantes que iniciaram a proposta da FASP. Nosso contato com seus militantes mais velhos como Jaime Cubero (in memoriam), Antônio Martinez (in memoriam) e José Carlos Morel foram muito importantes para nossa formação. Junto com eles, também nos fizeram conhecer e nos aprofundar no ideal anarquista, as publicações da editora Novos Tempos / Imaginário feitas por Plínio A. Coêlho.

O desenvolvimento do anarquismo nos anos 1990 e início dos 2000 nos ensinou muito. Tivemos contatos com experiências como a Federação Anarquista Gaúcha, a Federação Anarquista do Rio de Janeiro e outras iniciativas que derivaram do processo da Construção Anarquista Brasileira aqui em São Paulo. Ao mesmo tempo, nestes anos, alguns de nós realizaram militância nos movimentos populares, fundamentalmente nas mobilizações comunitárias na periferia, em movimentos de sem-terra, sem-teto, entre outros. Além disso, participamos do “movimento de resistência global” e de diversas manifestações e enfrentamentos de rua, ocupações e outras formas de ação direta.

Este acúmulo entre o que houve de positivo e de negativo destas experiências, ainda que seja modesto, nos fez estar certos de algumas coisas:

* Os movimentos populares que organizam, por suas necessidades, as classes exploradas que sofrem os efeitos da luta de classes nos parecem os únicos meios para operar uma transformação revolucionária da sociedade visando à construção do socialismo.
 
* Assim, nossos esforços devem buscar construir e participar destes movimentos.
 
* Neste processo de construção e participação, estar nos movimentos individualmente e desorganizados não é suficiente. É fundamental que estejamos lá com um projeto programático e com a devida organização.
 
* Devemos nos preocupar com a relação entre a organização anarquista e os movimentos populares para não incorrermos em conhecidos equívocos: nem estar atrás dos movimentos, “a reboque” deles, nem à frente, querendo exercer função de partido de vanguarda.
 
* Para isso, não é suficiente a auto-identificação como anarquista, mas a identificação com um projeto determinado. Precisamos de um modelo de organização que dê conta dos objetivos que nos propomos a atingir.
 
* Estas premissas apontam para a necessidade de criarmos uma organização específica anarquista que, com unidades no campo da teoria e da prática, poderá agrupar militantes responsáveis, que trabalhem com estratégia, dando a devida coesão ao nosso trabalho.

Portanto, é isso o que pretendemos realizar hoje aqui. Humildemente, plantar mais uma semente do anarquismo em nosso solo latino e trabalhar com determinação para que ela germine e dê frutos promissores. Aproveitar as lições aprendidas no passado para trabalhar na construção do futuro. E, por meio do exemplo, conseguir novos e renovados militantes para nossa causa.

Esta data escolhida para nossa fundação alude a um momento-chave na história do anarquismo no Brasil. Em 18 de novembro de 1918 os anarquistas realizaram uma insurreição no Rio de Janeiro com o objetivo de criar o primeiro soviete no país. Apesar de frustrada, a experiência nos inspira por representar um momento histórico do anarquismo no seio do movimento popular, com muita combatividade na luta pela revolução social.

Finalmente, entoamos as consignas de outras organizações para declarar fundada, neste momento, a Organização Anarquista Socialismo Libertário!

Ética, compromisso, liberdade!
Não tá morto quem peleia!
Arriba los que luchan!

Viva o anarquismo!
Viva a OASL!

Organização Anarquista Socialismo Libertário (OASL)
18 de novembro de 2009