A situação das mulheres trabalhadoras em meio à pandemia

A pandemia da covid-19 tem destacado algumas dinâmicas de poder que estruturam nossa sociedade. Uma delas, talvez a mais visível, tem a ver com as diferenças entre as classes dominantes e as classes populares. Mesmo com dificuldades, as classes populares têm incentivado o cuidado com o outro, criando, por exemplo, importantes redes de solidariedade nas periferias. Os mais ricos, porém, saem às ruas exigindo que trabalhadores e trabalhadoras voltem à ativa, mesmo que paguem com a vida por isso. Entre preservar as nossas vidas e garantir os seus lucros, escolheram a segunda opção.

Nesse momento crítico, outra questão que se torna evidente são os efeitos da crise sanitária e social sobre as mulheres. Em condições normais, elas já são sobrecarregadas enquanto trabalhadoras em busca de seu sustento (demanda do capital) e pelo chamado trabalho doméstico, ou seja: lidam com uma dupla jornada de trabalho. Se já não era fácil, a pandemia da covid-19 tornou a situação das mulheres ainda mais precária.

Precarização das condições de vida e de trabalho

Na linha de frente do combate à covid-19, as mulheres têm desempenhado importante papel. Muito presentes na área da saúde (setor de enfermagem, por exemplo), estão trabalhando em extensas e desgastantes jornadas – frequentemente, sem os equipamentos adequados de proteção, o que as coloca em risco de contaminação. Além disso, geralmente se impõe às mulheres a responsabilidade de cuidar de familiares doentes ou mais vulneráveis, como crianças e idosos. O fechamento das escolas e a opção pelo estabelecimento de um precário ensino à distância faz com que mães, avós etc. encarem uma complexa situação: a necessidade de equilibrar trabalho, o cuidar das crianças e também auxiliá-las nas atividades escolares.

A exploração do trabalho das mulheres brasileiras tem se radicalizado durante a pandemia. Embora o isolamento social seja, no momento, a principal medida para evitar que a covid-19 se espalhe de forma acelerada, isso não tem contemplado todo mundo. No setor informal e mais precarizado, as mulheres – em especial as mulheres negras – são maioria. Elas também estão bastante presentes como trabalhadoras terceirizadas, recebendo menores salários e tendo acesso a menos direitos trabalhistas – como as profissionais da limpeza. O Congresso Nacional aprovou uma Renda Básica Emergencial no valor de R$600 (podendo chegar a R$1200 quando a mulher é a única responsável pela família), insuficiente para suprir as necessidades cotidianas das famílias (gastos com alimentação e moradia, por exemplo). Além do valor reduzido, o governo Bolsonaro tem dificultado o pagamento. Tais fatores fazem com que muitas trabalhadoras se coloquem em risco para obter seu sustento e de seus familiares.

A situação de precarização das trabalhadoras mais vulneráveis é flagrante: o governo do estado do Pará, por exemplo, ao decretar o “lockdown” (isolamento total, reduzindo a circulação de pessoas), enquadrou os serviços domésticos como “atividade essencial” – o que dificulta que as trabalhadoras domésticas possam se manter em quarentena. A falta de amparo a elas, aliada à negligência patronal com relação à gravidade do problema, resulta em riscos constantes de contaminação tanto nos transportes públicos quanto na própria residência dos patrões. Vale lembrar, ainda, que as mulheres representam uma parcela bastante expressiva do setor informal, que não possui quaisquer direitos trabalhistas. Sua preocupação se acentua: como se não bastasse o temor pelos efeitos de uma possível contaminação por covid-19, há o constantemente medo de não obter o sustento necessário para sobreviver.

Aumento de casos de violência doméstica

A piora nas condições de trabalho e a exploração não são os únicos complicadores para as mulheres nesse momento de crise social e sanitária: a violência doméstica se agravou. A necessidade de confinamento em um momento de estresse e de dificuldades financeiras deixa as mulheres ainda mais vulneráveis no ambiente doméstico. A maioria das agressões ocorre no espaço privado – onde as horas de trabalho também se intensificaram na pandemia. O contato com o ambiente externo, mais restrito, dificulta que elas consigam ser socorridas, estando sujeitas às ações violentas por parte de homens. No estado de São Paulo, por exemplo, o número de feminicídios aumentou 44,9% durante o período de isolamento social. Outros estados, como Acre, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul também registraram aumento no índice de violência contra a mulher.

A criação de mecanismos de proteção e enfrentamento à violência contra a mulher, como as redes de assistência social e jurídica e os Centros de Referência da Mulher (CRM) em algumas cidades são sensíveis avanços conquistados a partir da luta popular. No entanto, esses espaços lidam com limitações e o atendimento às mulheres ainda é precário e tem piorado significativamente nos últimos anos.

O desmantelamento das políticas públicas para mulheres resulta em uma série de problemas: fechamento de centros de referência; falta de funcionários e equipamentos para atendimento e burocratização do processo (cujos obstáculos dificultam a ponto de a mulher pagar com a própria vida sem o suporte adequado). As delegacias, em vez de acolherem, frequentemente atuam de forma coercitiva, causando a desistência do acesso a direitos, tão arduamente conquistados historicamente. Portanto, os locais que deveriam oferecer cuidado e proteção – com atendimento social, psicológico e jurídico – não conseguem dar conta, deixando milhões de mulheres desamparadas. Além disso, muitas cidades do Estado de São Paulo não contam com assistência minimamente adequada: na Baixada Santista, por exemplo, mulheres precisam se deslocar até 80 quilômetros para conseguir atendimento, centralizado na cidade de Santos.

Em meio a essa realidade obscura em que os órgãos públicos funcionam em menor número mesmo com a alta de casos registrados, algumas iniciativas populares estão sendo tomadas e são exemplos da força das mulheres em luta. As PLPs (Promotoras Legais Populares) na região dos Pimentas, na periferia de Guarulhos, por exemplo, estão se mobilizando desde 2016, contando, atualmente, com uma rede de 60 mulheres em diversas comunidades. Juntas, estão distribuindo cestas básicas para cerca de 70 famílias e cartilhas sobre violência doméstica e de gênero. Também estão trabalhando na criação de uma cartilha digital para o combate à violência na região (financiado coletivamente por mecanismos online), com a perspectiva de encorajar mulheres a procurarem a rede de apoio que vem se consolidando ao longo desses anos.

A iniciativa das PLPs e outros espaços de acolhimento em algumas cidades de São Paulo podem ser acessadas na tabela que disponibilizamos no link abaixo:

https://drive.google.com/file/d/1ymQgVBClUrN7KfGrHEHnXPYEbyAnGhQp/view?usp=sharing

Solidariedade e autogestão no combate à precarização

Considerando todos os aspectos citados, que expõem de forma mais brutal os efeitos negativos e as contradições do capitalismo, nós, enquanto anarquistas, reafirmamos a necessidade do fortalecimento de redes de apoio e solidariedade entre as classes populares. A autogestão e o apoio mútuo, práticas que defendemos e incentivamos, têm se mostrado importantes e cada vez mais necessárias. A solidariedade passa, também, pelo combate à precarização das condições de trabalho e de vida, que se intensificou para nós, de baixo – e de forma ainda mais dura às mulheres. Ela deve servir de base para garantir a manutenção da vida nesse difícil momento, de modo que possamos continuar a lutar ombro a ombro contra o sistema capitalista, que sempre joga sobre as nossas costas o peso das crises. A força das mulheres pobres e periféricas de todo Brasil para sustentarem a si mesmas e suas famílias é um exemplo disso.

CONTRA A COVID-19 E A CRISE DO PATRÃO, APOIO MÚTUO, SOLIDARIEDADE E AUTOGESTÃO!
MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA POR VIDA DIGNA!

Organização Anarquista Socialismo Libertário
Junho de 2020

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